quinta-feira, junho 30, 2005

Personalidades

Pegando num tópico deixado por Cláudio Costa, e extremamente pertinente para a compreensão do ser humano e da sua interacção com o mundo decidi fazer um post: a personalidade. Existe um sem fim de autores que estudaram, estudam e estudarão a personalidade e factores inerentes a esta. Uma das teorias que tenho andado a aprofundar ultimamente devido a um projecto académico é a de Theodore Millon, importante contribuidor para o desenvolvimento do DSM-IV e de despistagem clínica de personalidades patológicas. Segundo este autor existem 11 padrões clínicos de personalidade: esquizóide, evitante, depressivo, dependente, histriónico, narcisista, antisocial, sádico, compulsivo, negativista e masoquista.
Irei elaborar um resumo muito sucinto de cada um deles, e quem sabe o leitor possa vir a identificar-se com algum:

Esquizóide --> Distinguido pela sua lacuna de desejo e incapacidade para experienciar quer prazer quer dor profunda, estes indivíduos tendem a ser apáticos, distantes e não sociáveis. Já que as suas necessidades emotivas e de afecto são mínimas, o indivíduo funciona como um observador passivo afastado das recompensas e afeições das relações interpessoais.

Evitante --> Basicamente receoso e alerta, estes indivíduos encontram-se constantemente em alerta, sempre postos a distanciarem-se dado a antecipações ansiosas de experiências humilhantes ou dolorosas.

Depressivo --> Estes indivíduos tendem a acreditar que a dor é uma parte permanente e estável da vida, e que o prazer não é possível.

Dependente --> Dirige-se aos outros para obtenção de uma fonte de segurança, estas pessoas esperam passivamente pelo afecto, segurança, orientação e liderança dos outros, mantendo-se, por vezes, sob a ordem dos outros apenas com o objectivo de possuir a sua afeição. Lacuna de iniciativa e autonomia é muitas vezes consequência de sob protecção parental.

Histriónico --> Manipulador, estes indivíduos procuram maximizar a quantidade de atenção e tratamentos favoráveis que recebem enquanto que minimizam o desinteresse e desaprovamento dos outros. Os seus comportamentos inteligentes e cheios de "artimanhas sociais" dão a aparência de auto-confiança elevada e independência. Por trás deste disfarce reside no entanto um medo de autonomia e uma necessidade de constantes sinais de aceitação e aprovação de todas as fontes interpessoais e contextos sociais

Narcisista --> Distinguido pelo seu egoísta envolvimento, estes indivíduos sobrevalorizam o seu desempenho e valor, mantendo confiança e superioridade que é insustentável por conquistas reais. Assumem em todas as circunstâncias que os outros irão reconhece-los como alguém "especial" exibindo um ar de auto-confiança arrogante.

Antisocial --> Enveredam em comportamentos ilegais ou de dupla intencionalidade com vista a explorar o seu environment para ganhos próprios, sendo irresponsáveis e impulsivos, julgam os outros como não sendo leais nem de confiança.

As restantes personalidades serão descritas no próximo post. Reconhecem alguém?

Ciúmes, mais ainda

Há algum tempo fiz um post sobre ciúmes, que gerou o maior número de comentários do Pras Cabeças.Realmente, o tema é fonte de inesgotáveis discussões, mobiliza a criatividade de grande parte dos artistas, divide opiniões.
Se alguns consideram que o sentimento de ciúme é prova de amor - "quem ama teme perder o objeto amado e zela pela sua conservação" - por outro lado, os que o experimentam e os alvo deste sentimento sofrem terrivelmente.Naquele post, entre outras coisas, escrevi:
Os ciúmes podem ser decompostos em três sentimentos básicos que se manifestam em condutas correspondentes:
  • a) Insegurança: baixa de auto-estima e conseqüente medo de não ser amado, ansiedade, sentimento de posse e necessidade de controle. O ciumento se torna possessivo e cada vez mais insuportável ao outro. Cava sua própria desgraça!
  • b) Inveja: quero que meu (minha) amado(a) não dê a outrem o que julgo ser somente meu; não tolero ver outra pessoa receber o carinho, o afeto, o olhar daquele(a) que amo!
  • c) Raiva: odeio meu amado (minha amada) quando não faz aquilo que eu desejo. Odeio também quem recebe a atenção que deveria ser somente para mim. E meu ódio me leva à agressividade: tenho de destruir ambos: meu objeto de amor – que agora odeio – e o intruso – usurpador do meu bem e causa minha perda.

Há casos ainda mais graves:Na Psiquiatria, há uma categoria diagnóstica denominada "Ciúme Mórbido ou Patológico", caracterizada por "vários sentimentos perturbadores, desproporcionais e absurdos, os quais determinam comportamentos inaceitáveis ou bizarros. Esses sentimentos envolveriam um medo desproporcional de perder o parceiro(a) para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no relacionamento interpessoal."


Há ciumentos que sofrem até pelo passado das pessoas que amam, pesquisando fotos, cartas, restos de lembranças. Assaltam as gavetas e os guardados, tentam decifrar nas conversas de parentes quaisquer referências a antigas paixões. Infernizam a vida do(a) parceiro(a), querendo detalhes sobre a vida afetiva prévia, lugares, posições, carícias preferidas, etc.Ou seja: um mundo de sofrimento, angústia, desentendimentos, determinado pela "sombra monstruosa do ciúme" (Caetano Veloso, O Ciúme).


Os casos de ciúme patológico geralmente evoluem para tragédias, uma vez que seus portadores provavelmente têm um Transtorno de Personalidade subjacente:


Personalidade paranóide: A característica essencial deste distúrbio é uma tendência global e injustificável para interpretar as ações das pessoas como deliberadamente humilhantes ou ameaçadoras. Tem normalmente início no final da adolescência ou no começo da idade adulta. Quase invariavelmente há uma crença de estar sendo explorado ou prejudicado pelos outros de alguma forma e, por causa disso, a lealdade e fidelidade das pessoas estão sendo sempre questionadas. Muitas vezes o portador deste Transtorno é patologicamente ciumento e questionador da fidelidade do cônjuge, ao ponto de causar situações francamente constrangedoras.


Personalidade obsessiva: Há, neste Transtorno de Personalidade, um padrão generalizado de perfeccionismo e inflexibilidade. As pessoas assim preocupam-se com a observância das normas, das regras, com a organização e com os detalhes. Normalmente são escravizados pelo simétrico, pelo limpo e pela ordem das coisas, desde a arrumação de seus pertences pessoais (guarda-roupas, gavetas, mesas), até a organização extremamente cuidadosa de coisas relacionadas à ocupação e profissão.Outra situação muito propícia ao ciúme mórbido ou patológico é o alcoolismo crônico, quando toma a forma de delírio celotípico:
--> o alcoolista, já com manifestações deliróides e alucinose alcoólica, passa a desconfiar absurdamente do cônjuge, fantasiando situações, interpretando fatos corriqueiros (telefonemas, pedaços de papel jogados no lixo, olhares na rua) como provas irrefutáveis de que estão sendo traídos. (Freud chega a falar de uma identificação do ciumento com o parceiro e um desejo inconsciente de estar em seu lugar(!), denotando uma tendência homossexual (!) - depois a gente fala disso).

[Escrito por Cláudio Costa, psiquiatra, psicanalista e blogueiro: http://prascabecas.blogspot.com]
A este colaborador fica aqui registado o nosso agradecimento.